Chernobyl: A Cronologia Completa da Maior Catástrofe Nuclear da História

Chernobyl: A Cronologia Completa da Maior Catástrofe Nuclear da História

26 de abril de 1986. Uma data que dividiu a história moderna. Naquela madrugada fria na Ucrânia soviética, o impensável aconteceu: o átomo, promessa de energia infinita e limpa para o futuro da URSS, tornou-se o maior pesadelo da humanidade.

O desastre de Chernobyl não foi apenas um acidente industrial; foi uma combinação trágica de falhas de design, arrogância humana e segredos de Estado. Mais de três décadas depois, a Zona de Exclusão permanece como um monumento silencioso aos erros do passado.

Neste artigo, mergulharemos nos detalhes, minuto a minuto, do que realmente aconteceu na Usina Nuclear V.I. Lenin e como o mundo escapou por pouco de um destino ainda pior.

Áudio leitura   

O Prelúdio: Um Teste de Segurança que Deu Errado

A ironia cruel de Chernobyl é que o acidente foi causado por um teste de segurança. A equipe da sala de controle do Reator 4 tinha a tarefa de determinar se, em caso de falha de energia elétrica, a inércia das turbinas seria suficiente para manter as bombas de água funcionando até que os geradores a diesel de emergência entrassem em ação (o que levava cerca de 40 a 60 segundos).

Para realizar o teste, o reator precisava ser operado em baixa potência. No entanto, uma série de adiamentos solicitados pela rede elétrica de Kiev fez com que o teste fosse empurrado para o turno da noite — uma equipe menos experiente e já exausta.

A Armadilha do Xenônio

Durante a preparação, ocorreu o primeiro erro fatal: a potência do reator caiu drasticamente, quase chegando a zero. Isso causou o que os físicos chamam de "envenenamento por xenônio". O Xenônio-135 absorve nêutrons e "sufoca" a reação nuclear.

Para combater isso e forçar a potência a subir novamente, os operadores, liderados pela insistência de Anatoly Dyatlov (o engenheiro-chefe adjunto), removeram quase todas as hastes de controle do núcleo. Eles transformaram o reator em uma granada sem pino, instável e pronta para explodir, violando diversos protocolos de segurança.


1:23:45 AM: O Momento da Explosão

À 1h23 da manhã, o teste começou. As válvulas de vapor foram fechadas. A circulação de água diminuiu. A temperatura no núcleo subiu violentamente.

Percebendo que algo estava errado, o operador Leonid Toptunov pressionou o botão AZ-5 (Defesa de Emergência 5). Este botão deveria ser a salvação: ele inseriria todas as hastes de controle de volta no núcleo para parar a reação imediatamente.

O Design Fatal: As hastes de controle dos reatores RBMK soviéticos tinham uma falha crítica de design. Enquanto o corpo da haste era feito de boro (que freia a reação), a ponta era feita de grafite (que acelera a reação).

Ao entrarem no núcleo, as pontas de grafite deslocaram a água e causaram um pico de reatividade instantâneo. Em vez de desligar, o reator disparou para uma potência 10 vezes superior ao seu limite normal.

  1. A Primeira Explosão: O vapor superaquecido destruiu os canais de combustível. A tampa do reator, pesando 1.000 toneladas (chamada de "Elena"), foi arremessada para o ar.

  2. A Segunda Explosão: Segundos depois, uma segunda detonação — possivelmente de hidrogênio ou uma explosão nuclear térmica — estraçalhou o prédio do reator.

O núcleo do Reator 4 estava agora exposto, queimando a milhares de graus e lançando toneladas de material radioativo na atmosfera. O ar acima da usina brilhava com uma luz azulada sinistra: a ionização do ar pela radiação extrema.


A Resposta Imediata: Heróis no Escuro

Nos minutos seguintes, o caos reinou. Na sala de controle, os dosímetros (medidores de radiação) mostravam leituras baixas porque os equipamentos disponíveis só mediam até 3,6 roentgens/hora. Na realidade, a radiação era de 15.000 roentgens/hora. Dyatlov acreditava que o reator estava intacto e que apenas um tanque de água havia explodido.

Os Bombeiros de Pripyat

Os primeiros a chegar à cena foram os bombeiros da brigada de Pripyat, comandados pelo Tenente Vladimir Pravik. Eles não foram avisados de que o incêndio era radioativo. Eles marcharam para o inferno sem roupas de proteção, pisando em pedaços de grafite do núcleo que estavam espalhados pelo chão — cada pedaço emitindo radiação letal.

Relatos posteriores descreveram que os bombeiros sentiram um "gosto metálico" na boca e uma sensação de agulhadas na pele. Muitos começaram a vomitar em questão de minutos. Eles evitaram que o fogo se espalhasse para o Reator 3, salvando a Europa de uma catástrofe continental, mas pagaram com suas vidas. A maioria morreu de Síndrome Aguda da Radiação (SAR) em hospitais de Moscou semanas depois.


O Segredo e a Descoberta

Enquanto Pripyat amanhecia em um sábado ensolarado, a radiação invisível cobria a cidade. As crianças brincavam nas ruas, e casamentos aconteciam. A liderança soviética, paralisada pela burocracia e pelo medo de admitir falhas, demorou a agir.

Foi apenas quando a nuvem radioativa viajou mais de 1.000 km e disparou alarmes na usina nuclear de Forsmark, na Suécia, que o mundo soube que algo grave havia acontecido. A URSS foi forçada a admitir o acidente internacionalmente.

A Evacuação de Pripyat

Somente 36 horas após a explosão, a ordem de evacuação foi dada. Uma coluna de 1.200 ônibus chegou para levar os 50.000 habitantes. Foi dito a eles que seria temporário — por três dias. Eles deixaram para trás fotos, animais de estimação, roupas e comida na mesa. Pripyat tornou-se uma cidade fantasma instantânea, congelada no tempo.

"Atenção, camaradas... Em conexão com o acidente na usina nuclear de Chernobyl, condições radioativas desfavoráveis estão se desenvolvendo... A evacuação é temporária." — Anúncio nos alto-falantes da cidade.


A Batalha dos Liquidadores

Com o fogo contido, começou a batalha para limpar a bagunça. O governo soviético mobilizou cerca de 600.000 pessoas ao longo dos anos seguintes. Eram soldados, mineiros, engenheiros e civis, que ficaram conhecidos como "Liquidadores".

Suas tarefas eram hercúleas e aterrorizantes:

  • Os Mineiros de Tula: Cavaram um túnel sob o reator derretido para instalar um trocador de calor (que nunca foi usado), trabalhando nus devido ao calor insuportável e à radiação do solo.

  • Os "Biorobôs": Quando os robôs mecânicos enviados para limpar os escombros do teto do reator pifaram devido à radiação fritar seus circuitos, homens foram usados. Vestindo armaduras de chumbo improvisadas, eles corriam para o telhado, jogavam uma pá de grafite radioativo para dentro da cratera e corriam de volta. Eles tinham apenas 90 segundos antes de absorver uma dose vitalícia de radiação.


O Sarcófago e a Pata de Elefante

Para conter a radiação, foi construída às pressas uma estrutura gigante de aço e concreto sobre o reator destruído: o Sarcófago. Ele foi projetado para durar 30 anos.

Dentro das ruínas, a mistura de areia, concreto e combustível nuclear derretido formou uma lava radioativa chamada Cório. Ela escorreu pelos encanamentos e solidificou no subsolo, formando uma massa que ficou famosa como a "Pata de Elefante". Na época de sua descoberta, apenas olhar para ela por alguns minutos significava morte certa. Hoje, ela permanece como um dos objetos mais tóxicos da Terra.


As Consequências a Longo Prazo

As consequências de Chernobyl são sentidas até hoje e o número exato de mortos é objeto de intenso debate.

Saúde Humana

O relatório oficial soviético inicial citou apenas 31 mortes diretas (bombeiros e operadores). No entanto, estimativas da ONU e da OMS sugerem que milhares de pessoas podem ter morrido ou desenvolvido câncer (especialmente de tireoide em crianças que beberam leite contaminado) nos anos seguintes. A saúde mental dos deslocados e o trauma social, conhecido como "Sintoma de Chernobyl", também foram devastadores.

A Floresta Vermelha

A floresta de pinheiros adjacente à usina absorveu tanta radiação que as árvores morreram e ficaram com uma cor ruiva enferrujada. A "Floresta Vermelha" foi derrubada e enterrada, mas ainda é uma das áreas mais contaminadas do mundo. Curiosamente, na ausência de humanos, a Zona de Exclusão floresceu como um santuário de vida selvagem, com populações de lobos, ursos e cavalos de Przewalski prosperando apesar da radiação.


O Legado: O Novo Confinamento Seguro

Como o Sarcófago original estava se deteriorando, a comunidade internacional financiou uma obra de engenharia sem precedentes: o Novo Confinamento Seguro (NSC).

Uma estrutura em forma de arco, grande o suficiente para cobrir a Estátua da Liberdade ou o estádio do Maracanã, foi construída ao lado do reator e deslizada sobre ele em 2016. Projetada para durar 100 anos, ela permite que robôs desmontem o reator antigo e removam o combustível restante com segurança.


Conclusão: O Preço da Verdade

Chernobyl foi o catalisador para mudanças globais na segurança nuclear e, muitos historiadores argumentam, foi o prego final no caixão da União Soviética. A política de Glasnost (transparência) de Mikhail Gorbachev foi acelerada pela impossibilidade de esconder um desastre dessa magnitude.

Hoje, a Zona de Exclusão atrai turistas (antes do conflito atual na Ucrânia) e cientistas, servindo como um laboratório vivo e um aviso sombrio. A lição de Chernobyl, imortalizada nas palavras do cientista Valery Legasov, ressoa eternamente:

"Ser cientista é ser ingênuo. Estamos tão focados em nossa busca pela verdade que não consideramos quão poucos querem que a encontremos. Mas ela está lá, quer a vejamos ou não, quer escolhamos ou não. A verdade não se importa com as nossas necessidades ou desejos. Ela não se importa com os nossos governos, as nossas ideologias, as nossas religiões. Ela ficará à espera, para todo o sempre."

Chernobyl nos ensinou que o custo das mentiras pode ser pago com o futuro da humanidade.

 

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